Cunhado pelos neurobiólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, nos anos 1970, o termo autopoiese (ou autopoiesis, do grego auto, “próprio”, poiesis, “criação”) descreve a capacidade de um organismo recriar-se em resposta aos estímulos do ambiente. Para facilitar a compreensão, vamos explorar a aplicação desse termo à imunologia.
Nosso corpo conta com um sistema imunológico para protegê-lo de agentes externos, como os vírus. Uma vez em contato com um corpo estranho ao organismo – o vírus do sarampo, por exemplo – nosso corpo reage, produzindo elementos de defesa, os anticorpos. Quando nos recuperamos da doença, ela não se manifestará novamente, pois o corpo criou uma espécie de memória celular contra o vírus que ele já conhece, estando imunizado. O mesmo ocorre quando somos vacinados.
Em resumo: na autopoiese, um agente externo é agregado pelo organismo, trazendo um aprendizado sobre como reagir a ele.
Aproveitando a analogia com o sistema imunológico, imagine o corpo empresarial sob a influência de um vírus – por exemplo, um novo colaborador que se comporta como um corpo estranho, provocando desequilíbrio na equipe, isto é, desarmonizando o funcionamento integral do organismo. Diante dessa situação, um sistema imunológico saudável reagirá a esse agente nocivo de duas formas possíveis:
1) se já aprendeu com uma experiência semelhante, detectará o problema rapidamente e encontrará os recursos para evitar que o corpo estranho cause danos;
2) se tal experiência é nova, vai buscar, ainda que mais lentamente, os meios de reagir e recuperar-se, mas o fato certamente será agregado ao organismo como um aprendizado, tornando-se uma memória para o corpo biológico, fortalecendo-o. No entanto, para que os danos não sejam intensos ou mesmo irrecuperáveis, é preciso investir na saúde e constituição desse sistema imunológico – é com essa noção de robustecimento interno que nós trabalhamos.
Continuando a analogia com o sistema de defesa biológico, imagine o processo de defesa empenhado pelas células imunológicas do nosso corpo, chamadas leucócitos – quando identificada a presença de um vírus, leucócitos especializados combatem o corpo estranho por meio de um fenômeno chamado fagocitose: eles englobam e digerem esse agente nocivo, anulando seu efeito agressor. Mesmo que o corpo apresente sintomas, os leucócitos estarão empenhados em detectar e eliminar o que está causando problemas.
Nessa linha de pensamento, acreditamos que é possível criar uma estrutura de proteção do organismo empresarial, ou seja, um sistema de gestores e colaboradores aptos a detectar fatores que estão abalando o equilíbrio do organismo e a reagir de forma eficiente, participando da criação de uma “memória celular” de cada dificuldade vivenciada, tornando, assim, o organismo empresarial mais fortalecido e rico em repertório para enfrentar desafios.
Em seu livro, A árvore do conhecimento:as bases biológicas da compreensão humana (Editora Palas Atena, 2010), Maturana e Varela abordam o corpo emocional-biológico como um ser em constante reconstrução e adaptação, que tanto recebe influências do mundo como também influi em seu entorno, sendo ao mesmo tempo um agente de mudança e em constante mudança.
“Vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos, portanto compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos ao longo de nossas vidas. Por sua vez, ele também nos constrói no decorrer dessa viagem comum”, escrevem os autores. Nesse sentido, consideramos o corpo organizacional um ser vivo e pulsante, em constante reconstrução devido à diversidade dos seus agentes internos e em adaptação contínua aos desafios externos.
Osório Santos é psicanalista há mais de vinte anos, livre estudioso da teoria junguiana e da psicologia evolutiva. Seu livro mais recente é Acaso premeditado: ensaio sobre a consciência e o mistério da vida.