Estamos vivendo tempos de extrema polarização e negacionismo, que envolvem não só a política, mas nossas crenças mais profundas. De fato, política e crenças sempre estiveram presentes no ambiente corporativo, na escolha do time de futebol, da religião ou do cônjuge, fazendo parte da essência das relações humanas e do convívio social.

Para que possamos, então, nos mover nesse mundo de maneira saudável e harmônica, respeitando as diferenças naturais entre os seres humanos – uma questão inevitável –, é muito importante que conheçamos os mecanismos que atuam no nosso comportamento e o que as crenças e os valores dizem sobre nós mesmos.

Crenças e condutas

A psicóloga social Dannagal G. Young estuda, há anos, como as características psicológicas modelam nossas crenças políticas e como a forma individual de ver e entender o mundo pode afetar a sociedade e a democracia.

A Dra. Young mostra que há dois tipos potenciais de pessoas: um mais liberal e outro mais conservador. O primeiro grupo vê o mundo como seguro e bom e isso permite que elas estejam bem com a incerteza e possam explorar as possibilidades. Os componentes do segundo grupo, pelo contrário, estão perfeitamente cientes das ameaças no seu ambiente e então priorizam ordem e previsibilidade, em vez de abertura e experimentação. Tais abordagens moldam a forma como pensamos e nos envolvemos com o meio externo, como percebemos tudo, desde a arte até a política.

A pesquisadora também aprofundou o entendimento sobre como as elites políticas e a mídia partidária exploram essas diferenças para gerar divisões, chamar nossa atenção e obter cliques. Algoritmos e microssegmentação também fazem parte desse mecanismo.

Mas, e se não houvesse o “outro lado”?

E se as duas abordagens coexistissem harmoniosamente e fossem vistas como necessárias para que a vida fosse possível? E se você se permitisse ter a crença de que o caminho do meio é melhor? Ou de que a paz é a melhor opção e está acima de todos os “lados”?

Pensa bem. São as inclinações mais liberais, para abertura e flexibilização, que nos permitem lidar com a incerteza e nos possibilitam explorar novos caminhos para a inovação, a criatividade e as descobertas científicas. E também são as inclinações conservadoras, de vigilância, segurança e tradição, que nos motivam a fazer o que deve ser feito, para a nossa própria proteção e estabilidade, como ocorre com a segurança do sistema bancário, as forças armadas ou a Justiça.

Não seriam ambas necessárias e complementares?

E se… a verdadeira ameaça à sociedade e à democracia não for, na verdade, representada pelo “outro lado”? E se o real perigo estiver na ação dos múltiplos interesses econômicos e de poder, que tendem a nos manipular, aproveitando nossas características pessoais? Que tentam nos fazer pensar que estaríamos melhor sem o “outro lado” e que usam essas divisões para o seu próprio benefício pessoal, financeiro e político?

Quanto se perde da riqueza da diversidade quando se caminha para o radicalismo? Quantas nuances são descartadas quando achamos ter a verdade absoluta, negando todas as possibilidades que se apresentam? Sem a diversidade, a vida biológica não teria chegado até o humano que tem consciência, então por que não usar essa consciência para ver que o outro lado pode ser complementar e não inimigo?

Abordagens distintas, e até contrárias às nossas, continuam a enriquecer nossa realidade, dia após dia, gerando reflexão, processo e vida. Que estejamos, afinal, todos do “mesmo lado”, o humano.

Crédito imagem: Photo by Bruno Aguirre on Unsplash