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Somos muito mais próximos das outras espécies do que imaginamos. Compartilhamos 97,5% do nosso genoma com os ratos que, não por acaso, são as cobaias mais comuns em experimentos científicos. Quando se trata de primatas, como os chimpanzés, essa semelhança chega a 99%, ou seja, o que nos diferencia, geneticamente falando, se resume a 1%.

Na verdade, todos os seres do planeta têm alguma ligação. Pesquisas de análise de DNA (código genético) de fósseis indicam parentescos entre golfinhos e hipopótamos, burros e rinocerontes, carrapatos e escorpiões, papagaios e dinossauros.

E, nessa cadeia evolutiva, o Homo sapiens é apenas uma entre as 8,7 milhões de espécies da Terra, com muitos de seus exemplares, ironicamente, se mostrarem defensores ferrenhos do antropocentrismo, uma perspectiva que coloca o homem como centro do universo, razão única para a existência dos mares, florestas, do planeta, das galáxias. Ledo engano.

Nas palavras do neurocientista português António Damásio, “os insetos sociais, como as abelhas, as vespas ou as formigas são animais complicadíssimos, com uma história social, com uma hierarquia de organização, com uma estrutura arquitetônica, como os favos das abelhas (…) [são] animais que não têm um esqueleto propriamente dito, mas que têm um sistema nervoso, especialmente o tronco cerebral, por exemplo o da abelha, muito parecido com o nosso, o design é exatamente o mesmo”.

As espécies do nosso grupo, o dos mamíferos, são bem parecidas entre si. Os chimpanzés, com os quais compartilhamos uma ancestralidade relativamente próxima, organizam-se em comunidades, usam ferramentas rudimentares, e, como mostram pesquisas recentes, são capazes de aprender palavras e de mentir. Articulam, planejam, obedecem a hierarquias e a normas de conduta. Mesmo os ratos mostram empatia por outros da sua espécie e reformulam estratégias para vencer desafios em testes cognitivos.

Os suricatos (quem assistiu ao filme Rei Leão vai se lembrar deles) se revezam em funções dentro do bando, como se posicionar “em pé”, como sentinela, e depois trocar de lugar com outro. Emitem sons específicos para cada situação, avisando o grupo sobre predadores, como gaviões, ou alimento, como as serpentes.

Animais domésticos, como cães, gatos, ou mesmo porcos e carneiros, apresentam comportamentos sugestivos de afeto. Adotam filhotes de outras espécies, reconhecem uma pessoa em apuros. Em 2019, por exemplo, o cão Ping Pong, sem nenhum treinamento para tal, encontrou um bebê recém-nascido, enterrado vivo pela própria mãe, sob camadas de terra, em uma fazenda em Korat, na Tailândia.

Demonstrações de “inteligência” não se restringem aos animais terrestres. Espécies de polvo e lula são capazes, em situações de perigo, de ficar “invisíveis” ou de mudar de cor para se camuflar. Alguns polvos mimetizam as formas de outros peixes e seres do mar. Quando em cativeiro, identificam pessoas, tapam drenos e empreendem fugas ousadas.

Um estudo publicado na Nature Scientific Reports mostra que os corvos-da-nova-caledônia, espécie encontrada em um remoto arquipélago a leste da Austrália, no Oceano Pacífico, utilizam a memória para fabricar ferramentas e aprimorá-las ao longo do tempo. De acordo com os autores, essas aves são capazes de resolver problemas gradualmente mais complexos.

No entanto, o que chama especialmente a atenção nos agrupamentos sociais das espécies são três pontos: colaboração, cooperação e adaptação. “Instinto”, diriam alguns. Mas tal perspectiva seria superficial. Prefiro falar em consciência, no sentido de uma energia latente. E ela não se restringe ao reino animal.

Plantas decidem e se comunicam

Sucesso editorial nos anos 1970, o livro A vida secreta das plantas causou discussões na comunidade científica, mas fascinou o público. A obra é um compilado de estudos sobre “inteligência” em espécies vegetais. Por exemplo, plantas tomam “decisões” sobre por onde suas raízes devem crescer, liberam substâncias para afastar predadores, ocupam mais espaço quando há uma espécie concorrente no mesmo terreno, mas não o fazem com outras de sua própria espécie.

O documentário francês L’esprit des plantes (O espírito das plantas), do diretor francês Jacques Mitsch, apresenta vários exemplos dessa “consciência” trespassando o mundo animal e vegetal. Um deles é um fenômeno ocorrido com os cudos (espécie de antílopes) da África do Sul: a mortalidade aumentou muito entre esses animais, provocada pelas acácias, principal alimento desses herbívoros. As árvores haviam desenvolvido um refinado mecanismo de liberação de substâncias que desencadeavam a produção de tanino em suas próprias folhas, tornando-as tóxicas.

Formigas, que são insetos sociais, também respondem a ameaças liberando ácido fórmico e alertando os membros do formigueiro sobre o perigo. Desmodium gyrans, ou plantas-telégrafo, reagem ao som, de maneira que muitos observadores afirmam que “dançam”. Interessante que não reagem ao toque das mãos, mas apenas a estímulos sonoros, em especial às complexas composições da música clássica. Plantas carnívoras também desenvolveram elaboradas armadilhas pegajosas, em formato de tobogãs ou mandíbulas, para a captura de suas presas.

Exemplos de colaboração e união

Trezentos genes nos separam dos ratos. As moscas têm 13 mil genes, qualquer verme, 20 mil, um abacateiro, 25 mil. O humano possui 30 mil genes, ao passo que o arroz conta com 50 mil. Sofisticação e eficiência são regra na natureza. Assim como adaptação e colaboração.

Entre as ferramentas moldadas para a sobrevivência, ao longo da evolução, está a capacidade, a necessidade, de se agrupar com os semelhantes. Presente até mesmo nas bactérias.

Quando nossos ancestrais avançaram das florestas tropicais para as savanas, depararam com menos possibilidades de abrigo e oferta de comida. Diante desse desafio, usaram a brilhante ferramenta da criatividade para se adaptar e evoluir. Isso é o que a vida faz desde o começo para dar sequência à evolução, em um processo extremamente sofisticado e com uma enorme riqueza de ingredientes, gerido por uma determinação indiscutível: se reunindo em grupos afins.

Arrisco dizer que o cérebro dos nossos ancestrais já estava programado para esse desafio: a união. Foi preciso resolver um problema de vida ou morte quando não havia mais alimento para coletar na terra, nem árvores nas quais dormiam protegidos dos predadores. Já com um cérebro fisicamente mais desenvolvido e com alguma condição subjetiva associada à criação, nossos semelhantes de antigamente foram capazes de se agrupar e dividir funções. Especialmente de proteção.

O sucesso desse processo é o que conhecemos hoje como Homo sapiens. Desde então, usamos o mesmo princípio para evoluir: compartilhar conhecimento. Chamo a atenção para a analogia clara com o processo metabólico. Quando os aminoácidos se juntam e produzem uma proteína está explícita a noção de uma somatória de conhecimentos: as unidades adquirem toda uma nova função quando em conjunto.

O princípio de acúmulo de informações perpetua desde o começo da vida. Para exemplificar, podemos citar o sistema do alfabeto brasileiro, depois da reunificação, que passou a ser composto oficialmente de 26 letras. Como criamos tanto conteúdo com apenas 26 letras? Não parece com o mesmo princípio dos nossos cromossomos? Criamos ou, instintivamente, copiamos?

O objetivo das células é manter, no mesmo lugar, todas as substâncias essenciais à vida, ou seja, fazer o conjunto trabalhar. O funcionamento de um conjunto depende essencialmente de uma organização capaz de colocar em prática um processo. Esse início mostra claramente a dificuldade que temos em assumir o inexplicável. Falta uma informação, que é a chave de tudo isso.

Haveria uma energia, que ainda não conseguimos distinguir, organizando essas informações? Não estou colocando em xeque a capacidade criativa do cérebro, mas apenas apontando para o fato de que somos sequência de um modus operandi já instalado e o que chamamos de vida é simultaneamente resultado e processo. Bloquinhos essenciais da vida – as proteínas –, são, conforme nosso exemplo anterior do trem, cadeias de aminoácidos que em uma ordem exata determinam o sucesso da informação. Informação, portanto, é a fonte da vida.

Na arte da escrita, é preciso a palavra exata para se transmitir o que se quer dizer. Criamos a escrita assim como nossos ancestrais nas savanas recorreram ao trabalho em equipe para aumentar as chances de sobrevivência, pelo compartilhamento e união de potenciais, assim como o RNA se “associou” às proteínas e tornou possível o DNA.

Vida e processo

Todos os processos físicos ou psíquicos têm essa origem: acumular e organizar informação para evoluir. A vida não desperdiça nada do que foi criado e nossa existência por si já é prova de que tal processo tem dado certo. E somos parte desse processo em andamento, não o seu fim. A ciência ainda se divide em algumas teses sobre a origem da vida e para essa discussão se faz necessário, segundo os cientistas, descobrir o começo, o princípio.

O físico Jean E. Charon defende que o espaço e o tempo são de constituições complexas, ou seja, funcionam de forma alternada em outro universo. Para demonstrar seu raciocínio, compara duas extremidades em dimensão: o átomo e as estrelas, incluindo o sistema solar. Os elétrons giram em torno do núcleo do átomo como os planetas em relação ao Sol. E vai além: as partículas elementares pesadas, como o nêutron, têm grande semelhança com o que os físicos chamam de astrofísica de pulsares, que são estrelas terminais (início de um buraco negro), cuja densidade é precisamente da ordem de grandeza da densidade dos nêutrons.

Como os nêutrons, os pulsares giram rapidamente em torno de um de seus eixos e têm um campo magnético bipolar, ambos em pulsar radial (as mesmas equações matemáticas e a métrica da relatividade descrevem os dois fenômenos). Esse processo nos pulsares os leva a um achatamento pela gravitação até o ponto de inverter a ordem do espaço-tempo, criando um outro universo onde o que é tempo passa a agir como espaço e vice-versa. Então, o físico chama de “o verso de nosso universo”, outra face da mesma moeda.

O que é assustador é que nesse universo invertido, o processo de entropia crescente que movimenta a vida em nosso universo, é também invertida e passa a seguir a ordem de entropia decrescente, ou seja, acumula e não gasta energia para existir.

Charon explica melhor, em Espírito, este desconhecido: “Na linguagem da teoria da informação isto significa que, em nosso espaço da matéria, o de nosso próprio universo, um sistema isolado só pode evoluir com alguma perda de informação sobre o estado do sistema. Ao contrário, no espaço de um buraco negro, um sistema isolado evolui permitindo obter sempre mais informações sobre seu estado”.

O físico defende que os átomos são “réplicas” de um buraco negro. Neles, nada sai, são fechados em si, acumulando informações para sempre, nunca perdendo esses dados, e com essa dinâmica ditam o ritmo da vida, pois sem eles não existe vida. É mais ou menos como se toda a inteligência da vida estivesse guardada dentro desses muitos buracos negros, os átomos.

Por outro lado, temos o físico Ernest Rutherford, em Criação: a origem da vida/o futuro da vida: “O começo da vida também foi exatamente assim (…) a transição da química para a biologia foi o acúmulo das coisas que a vida faz – alimentar, copiar, reproduzir, e assim por diante”. Mais à frente, ele avança para o ponto mais crítico sobre o início: “Sabemos hoje que muitos ingredientes da vida, as partes componentes, estão presentes no espaço, inclusive aminoácidos (…) e até elementos do código genético. Estas são descobertas científicas importantes, em especial para o estudo da origem da vida. Elas mostram que a química que produz moléculas biológicas ocorre fora da biologia.”

Nessa discussão, gosto muito da ideia do biólogo molecular John Sutherland, de Cambridge, que defende que todos os componentes da vida teriam se formado ao mesmo tempo. Se assim for, como isso pode ter ocorrido sem uma “consciência”/informação operando? O humano não criou uma dimensão da vida, ele a alcançou. O que chama a atenção é a importância da informação acumulada e reiterada a todo momento no processo que chamamos vida. São inúmeros exemplos de potencial criativo no reino animal e vegetal, como já mencionamos.

Ninguém menos que o naturalista Charles Darwin, autor da Teoria da Evolução, observou o fenômeno de insetos se adaptarem à forma das plantas e elas, por sua vez, se adaptarem para receber os insetos, como ocorria com uma espécie de mariposa e de orquídeas, em Madagascar. A vida é um ciclo fechado que fomenta a evolução da informação.

Os seres vivos do universo nos ensinam a todo tempo sobre trabalho cooperado, colaboração e coletividade. Há muito que se pensar sobre os desdobramentos que resultaram no que chamamos de criatividade, subjetividade e memória. Há muito que se pensar sobre o que chamamos de consciência. Há muito que se pensar.

Referências:
SANTOS, Osório. Acaso premeditado: ensaio sobre a consciência e o mistério da vida. Disponível em https://amzn.to/3IdZ58M

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