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“Iniciei a minha vida profissional em finais de 1972 a medir a inteligência dos outros, de milhares de pessoas, enquanto candidatas a um emprego… Claro que também mediram a minha… Recordo-me… de todas essas métricas de destreza mental, compreensão, atenção concentrada, inteligência geral, memórias… E da história de Alfred Binet e do seu QI, no início do século XX. …Era esta a norma, independentemente de, já no século XIX, ter havido vozes, como a de Lamarck, que chamavam a atenção para uma outra verdade que era a verdade biológica. Mas teríamos de esperar por 1978, ano em que Howard Gardner, um professor de Harvard, começou a falar em inteligências múltiplas, na linha de Thurstone, que no século XIX mencionara já a existência de várias inteligências…

Acho interessante o agrupamento e conteúdo deste tipo de inteligências, porque há uns anos, quando entrevistava Jorge Valdano, o argentino director desportivo do Real Madrid, entre outras coisas chegámos á sua relação com Maradona nos tempos da selecção da Argentina. Ele confessava que Maradona só tinha um tipo de inteligência, a que Valdano chamava inteligência futebolística. Isso tornava-o único a jogar futebol, brilhante, um génio. Valdano dizia que não tinha sido um tão grande jogador por falta dessa mesma inteligência. Mas, em contrapartida, tinha desenvolvido outras capacidades, outras inteligências, que agora usava como conferencista e até como escritor na área da liderança…

Estas observações de Valdano deixaram-me a pensar e levaram-me a concluir que é possível, também na inteligência, ser-se especialista e generalista…

Mas existem muitas outras leituras mais sombrias sobre a inteligência. Recordo-me de que, numa determinada altura, encontrei num alfarrabista um livro muito curioso que se chamava Os Quadrilheiros da Inteligência… Quanto à inteligência, o narrador dividia o mundo em três classes. A primeira e mais numerosa a que chamava dos Loucos-Cegos, que eram aqueles que andavam na vida como toupeiras, cegos da luz, tomando a chama pelo clarão e o candeeiro pelo sol. A segunda, também em número, a que chamava de Quadrilheiros, aqueles que sem inteligência encontram a inteligência de usar a mentira e o logro para acenderem chamas e candeeiros que os loucos-cegos tomam por luz e pelo sol. Por fim e menos numerosos, os Loucos-Lúcidos, aqueles cuja inteligência põe em grave perigo a sobrevivência dos quadrilheiros, na medida em que podem abrir janelas aos loucos-cegos, para que o clarão e o sol entrem nas suas cabeças, até os embriagar de lucidez. Fique-se, portanto, também com a ideia de que a inteligência, quando partilhada e bem usada, pode ser sempre um perigo para alguém.

…Infelizmente estamos a assistir a isso neste momento; a chamada inteligência, aquela que nos podia iluminar, a inteligência dos loucos-lúcidos anda completamente anulada, abafada, ou porque eles não existem mesmo, ou porque a pouco e pouco se venderam aos interesses mais variados e perderam a credibilidade.

Quer se queira quer não, existe também uma crise de confiança na inteligência, por via desta sua falta de independência. As elites são hoje pertença de interesses específicos e transformaram-se, usando a sua inteligência, em quadrilheiros da inteligência.

Este é um problema sério entre nós, num momento grave de crise, em que confiar em alguém seria um activo poderoso para se dar a volta à situação. Estamos dominados pelos quadrilheiros da inteligência, quando na verdade precisamos é de loucos-lúcidos, aqueles que conseguem abrir portas e dar luz e ideias a um mundo sem elas.”

(«Qual das Inteligências é Mais Inteligente?» in G de Gente – A Força da Natureza Humana e os Caminhos da Neurogestão, Jorge Marques. Ed. Bertrand, 1ª edição: Setembro de 2011; pp.65-67)

Autora: Maria Suzel é diretora-geral da HVG® Consultoria & Formação, Lda, em Lisboa – Portugal.

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