“A arte existe porque a realidade não nos basta.” Ferreira Gullar
Em 16 de agosto de 1972 o químico italiano Stefano Mariottini estava de férias na Calábria, bem na ponta da bota que é a Itália. Era um lindo dia de sol e Stefano resolveu praticar o seu esporte preferido, a prática do mergulho.
A 300 metros da costa do azul cristalino do Mar Jônico e a somente oito metros de profundidade Stefano viu através das águas o que pareciam ser dois corpos humanos.
Mas não eram simples corpos, eram gigantes escurecidos deitados sob o leito daquele mar ancestral que conheceu o apogeu de uma civilização que influenciou de forma definitiva a cultura ocidental: os gregos.
O químico mergulhou mais profundamente para ver o que seria e se deparou com duas imponentes estátuas de bronze escurecidas pela intempérie e pelo tempo, submersas ali há pelo menos 2500 anos!
Tratava-se das conhecidas Bronzi di Riaci que hoje estão expostas no Museu Arqueológico de Reggio.
As duas estátuas são jóias da arte grega, raríssimas, únicas em sua espécie que impressionou artistas e especialistas e ainda hoje impressiona pela a perfeição de suas formas, força e elegância.
Mas há algo além da simples representação da realidade nessas esculturas. Há uma perfeição impossível, um exagero inatingível por mais que um corpo de um homem seja atlético.
Há detalhes estilizados muito além da realidade, são trunfos da criatividade humana que somente a arte pode alcançar.
A arte diz coisas que não conseguimos perceber claramente na simples contemplação da realidade.
Muitas vezes uma música nos fala de nossos próprios sentimentos mais do que podemos comunicar. Algumas poesias decifram o que gostaríamos de sintetizar sobre nós mesmos e sobre o outro tão perfeitamente que parece que as palavras ressoam e se misturam com nosso próprio pensamento.
É mais do que real, é mágico!
É a força da criatividade humana. De alguma forma temos a necessidade de organizar o caos do mundo que nos rodeia e sintetizar em harmonia, mas uma harmonia que vai além da própria natureza é a expressão de algo que se pode chamar espiritual, divino, além do humano.
Todos nós temos esse instinto, essa busca. Por mais prosaico que pareça o trabalho que realizamos queremos levar a marca de uma beleza que vemos com outros olhos. Vemos com os olhos do coração e do espírito.
Se estamos em sintonia com essa inspiração, o trabalho é uma experiência estética equiparável a contemplação artística. A euforia de criar é o que nos eleva a uma categoria quase divina e sendo divinos temos autoridade de criar uma beleza ainda não vista.
Sintonia, simbiose, sinestesia, síntese… todas essas palavras vem do mesmo prefixo grego SYN- que quer dizer união, junto.
O prefixo SYN ressoa sonoramente com a palavra SIM, a palavra que em português representa o principio da afirmação. Pode ser somente coincidência, mas vamos pensar como poetas.
Todas essas palavras de SYN (união) são palavras de SIM:
Sintonia: Algo nos faz um.
Simbiose: Uma relação de mútua vantagem.
Sinestesia: Não há divisão entre sentido e pensamento.
Síntese: Temos o dom de criar.
As palavras são como cores e formas estéticas, tem a força de suscitar em nossos sentimentos e em nossas mentes significados que nos provocam tanto reflexão quanto ação.
Tudo o que nos inspira e nos empolga é bem vindo.
Contemplemos nosso cotidiano com espírito criador por que em tudo há arte e tudo podemos transformar.
A música do universo pulsa.
Para saber mais sobre a importância das artes, indicamos a série de documentários da BBC “Como a Arte Fez o Mundo”.
O trecho aqui citado é a “parte 6” do episódio “Mais do que Humano” e fala exatamente sobre as duas esculturas de Riace. Mas se puder assista inteiro.
Vale muito à pena!