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Texto: “A INTERVENÇÃO POSSÍVEL DA PSICANÁLISE NAS EMPRESAS” escrito por: Gilceley Santos, Psicanalista.

O que a psicanálise pode oferecer para as empresas se ela propõe que a melhoria das relações e da qualidade de vida dos funcionários depende de um trabalho de auto conhecimento?

O que ela pode e deve, sua função, como única intervenção possível na cultura, é propiciar a reflexão sobre temas fundamentais que não são postos em discussão em outras abordagens teóricas e práticas. Uma vez que os indivíduos coloquem em discussão em suas vidas o que realmente pode ser a única forma abrangente de transformação, a ilusão da busca por transformações fáceis e milagrosas diminui, possibilitando que um número maior de pessoas passe a refletir e a mudar seus comportamentos a partir destas reflexões.

Através da incitação à reflexão de temas fundamentais que limitam e adoecem física e mentalmente a vida de cada um, pode-se dar aos indivíduos uma direção de busca de soluções para seus problemas oferecendo o que acreditamos ser a mais eficaz forma de transformação real. Problemas esses que englobam a vida de cada como um todo, e que inexoravelmente irão influir e prejudicar nas relações de trabalho caso não sejam solucionados.

A reflexão sobre os problemas pessoais de cada um leva à melhoria nas relações, e consequentemente à ampliação de capacidades também para a atuação no trabalho.

O adulto trabalha como a criança brincava.

Você lembra o quanto era chato brincar com o que os outros queriam e você não? Quanto tempo você era capaz de brincar em algo que gostava, sem lanche, sem descanso, com muita atenção e pouquíssimo erro? Tendo por vezes que ser carregado para o banho, ou para mesa de jantar. Isso quando não sofria até fisicamente para parar com aquela atividade! E hoje as pessoas não param de falar em STRESS apesar de terem se tornado “adultos” e sua força física em sua maioria, ser ainda maior do que a da infância.

A explicação é óbvia: Havia prazer no que fazíamos.

É claro que o bom ambiente de trabalho o reconhecimento, a remuneração adequada, a perspectiva de evolução além de outros fatores também devem ser considerados, mas estar executando uma função que lhe de prazer é fundamental. Também as relações de coleguismo na empresa são uma ferramenta indispensável, para obtenção de bons resultados. Quando um sujeito não tem prazer em sua atividade e sua dignidade é desrespeitada, quando ele recalca seus desejos e passa a tratar seu trabalho como uma necessidade, e não como algo que lhe dê um sentido a mais, o trabalho vira desgaste.

A falta de atenção e conseqüente recalcamento de desejos constituídos na infância, desejos estes que são as verdadeiras aptidões no profissional de hoje, será degradante e terá conseqüências desastrosas para o indivíduo, apresentando sintomas destrutivos na sua vida pessoal e nas relações de trabalho. Principalmente quando temos no ambiente de trabalho um lugar apenas de competição, sobrevivência e de trocas de agressividade.

A agressividade negativa vem de um lugar desconhecido para aquele que a expressa. É preciso que reconheçamos de onde ela vem. É preciso saber quem esta no comando nestas ocasiões. Sem estes elementos acessíveis à consciência, nós simplesmente seguimos as normas, e damos à empresa, (no máximo), o que ela nos pede, trocando horas de trabalho por remuneração.

Quando o indivíduo tem sua individualidade considerada, torna-se quase autônomo e luta por sua realização profissional e a da empresa. Esse profissional é mais produtivo e realizado. Torna-se possível então que ele não projete suas frustrações e limites pessoais para outros membros da equipe.

Só conseguimos promover mudanças numa empresa, principalmente no que diz respeito a relacionamentos problemáticos, com o comprometimento das pessoas. Para que os funcionários possam se envolver verdadeiramente só há um caminho: eles precisam se autoconhecer. Para flexibilizar problemas de relacionamento no trabalho, precisamos mudar nossos valores pessoais.

Como fazer isso?

Promovendo ao grupo o acesso a esses desejos por cada um recalcados. Esta é a maneira mais adequada de se conseguir uma transformação inovadora e eficaz para a empresa. Levar a carreira para o divã traz autoconhecimento. É sim uma terapêutica e podemos executar isso com foco no trabalho.

Os treinamentos que existem no mercado pecam por ser insuficientes e até superficiais. Muitos consultores se limitam em transmitir uma carga de informação puramente racional, e ninguém muda em um seminário ou em um retiro de dois dias.

É preciso fazer um trabalho com as afetações de cada “UM” para que o sujeito possa entender suas dificuldades com a profundidade que elas comportam. A mudança precisa ser estrutural. Só assim, pode-se agregar valor, substituindo referências antigas e revirando a forma de pensar, possibilitando um novo comportamento, já que tudo que fazemos é regido pelo pensamento. E quase sempre um pensamento infantil. A criança que sabia liderar seus coleguinhas numa brincadeira de escola é a mesma que hoje lidera equipes na empresa. Bem como aquela que tinha dificuldades de brincar em grupo, hoje sente os mesmos, obstáculos, se não maiores, nas relações atuais.

Falando de liderança há uma diferença a fazer: Liderança é diferente de chefia. Normalmente um chefe é colocado na posição de líder, mas o máximo que ele consegue, é ser temido. O respeito vem de outro lugar. O chefe pode ter chego a esta posição por qualidades técnicas, apesar de seus inúmeros limites nas relações com pessoas, o que torna o trabalho uma batalha diária para seus descendentes hierárquicos e também para ele que sofre diariamente por não conseguir de seus subordinados a atenção que precisa nem o esforço que deles gostaria de obter. O chefe é como aquele cara que ninguém gostava de jogar com ele, mas como ele era o dono da bola a gente agüentava na brincadeira, mas que na primeira oportunidade a gente “sacaneava” ele. Na hora da festinha ninguém convidava.

O inconsciente como patrão.

A maioria dos consultores, apresenta soluções mágicas para uma mudança nas relações de trabalho. A mudança no nível racional é rápida e efêmera. Uma mudança consistente, exige atuação que atinja camadas recalcadas da história de cada um. É preciso resgatar sonhos perdidos, desfazer medos infantis, rivalidades, dificuldades pessoais de relacionamento embasadas em acontecimentos passados. De nada adianta a pessoa saber intelectualmente o que deve fazer no trabalho se não estiver emocionalmente preparada para abandonar valores equivocados trazidos da infância.

É por isso que as empresas estão repletas de chefes capazes de discursar sobre liderança, falando sobre o ser humano como sendo seu foco principal, mas que no dia-a-dia, tratam seus funcionários como objetos inevitáveis e necessários. Quase sempre como foram tratados por seus pais. Hoje esses sujeitos reproduzem o mesmo comportamento com o outro automaticamente, (seus subordinados e/ou pares). Repetição então, dos mesmos comportamentos que seus pais lhe deram, mesmo que tenha sido um tratamento por eles dado que ele abominou, mas que hoje não consegue fazer diferente. No máximo o que se repete é: Ora uma posição infantil diante do pai, ora uma posição paternal e/ou maternal diante do filho. Também é claro, fica inevitável, quando diante de pares que a “irmandade” se estabeleça, e fica difícil não detectar as disputas pelo amor, pelo lugar de preferência na relação com papai e mamãe (geralmente seus hierárquicos superiores). E o tal profissional imparcial que age de acordo com os fatos e não com o coração, ou ainda com referências no real? Aquele profissional limpo de história pessoal que não mistura trabalho com pessoalidades e recalques interiores? Aquele que não vê no par um concorrente pelo amor do outro mas, sim um absoluto aliado com foco voltado para a empresa e seu desenvolvimento? Bem, até então, ainda não tivemos o prazer de ser apresentados a este perfeito profissional.

Em “treinamentos” padrões, são oferecidas teóricas informações sobre o tema “liderança”, que não permitem realizar uma assimilação deste conteúdo de forma afetiva, não se transformam seres humanos apenas com informações.

Logo suas referências estruturais – aquilo de que ele é “efeito” – vai engolir este novo conhecimento, voltando a reger sobre ele aquele velho comportamento quase sádico que é costume encontrar em empresas mal aparelhadas em seus recursos humanos. O que rege o tal chefe, são informações muito mais eficazes, pois inscritas no inconsciente. Na verdade são mais que informações, são inscrições, são significantes, são letras escritas em papel que antes era branco, e que agora já não mostram mais seu verdadeiro rosto. Estas inscrições significantes regem nossa conduta à nossa revelia, e pior, sem nem mesmo termos conhecimento do que nos causa. O inconsciente então é o verdadeiro patrão, e o pior é que deste chefe não se pode escapar jamais, muda-se de emprego mas a tirania uma vez adquirida na infância, e não compreendida sua origem na vida adulta, irá junto com este sujeito para onde ele for.

Apesar da dificuldade para transformar sujeitos automatizados em sua forma de agir e pensar, as pessoas podem mudar, porque o inconsciente é atemporal. Ou seja: nessa esfera não existe passado. Tudo é presente. Tudo que vivemos um dia, vive em nós e determina condutas ainda hoje. O que sugerimos e vemos os resultados quando bem executado, é reescrever novas páginas nesta história mau escrita, mau contada e mau entendida por cada um de nós. As pessoas de modo geral, fazem uma leitura do presente via ferramentas do passado.

Deslocar, abstrair, neutralizar, “indiferenciar” afetações primitivas que hoje causam problemas em nossas vidas, são capacidades humanas, mas nem sempre são por nós bem utilizadas. A análise pessoal propõe colocar todas essas ferramentas em uso novamente.

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