No ar na Netflix, a série aborda de forma inteligente e cheia de humor o poder transformador de um mestre na vida de seus alunos, além de ser uma excelente fonte para conhecer conceitos básicos e nomes da Filosofia
Com dificuldades financeiras, ele mora com a própria mãe. Graduado em Filosofia, ele não consegue se enquadrar ao mercado formal, muito por causa de sua personalidade extremamente questionadora. Para complicar, ele acabar de ganhar a guarda do filho adolescente, com quem tem uma relação conflituosa. Mas uma oportunidade surge: um emprego como professor de Filosofia na escola do filho – e trabalhar com jovens vai ser o grande desafio na vida desse excêntrico pensador. Esse é o ponto de partida de Merlí, série de sucesso absoluto na Catalunha que está ganhando fãs no Brasil, desde a estreia no canal de streaming Netflix.
O protagonista Merlí tem uma espécie de carisma às avessas. Entra em sala deitando por terra os valores dos alunos de Ensino Médio. São jovens na iminência de escolher o caminho profissional a seguir e plenos dos conflitos emocionais da adolescência, que aprenderam durante todas as suas vidas a se enquadrarem ao que esperam deles na escola e na família. Eles encontram no professor uma voz fora do senso comum, que os leva a praças e ao shopping para falar de Sócrates, Descartes, Nietzsche e outros pensadores, mostrando que refletir deve fazer do cotidiano.
Além de ser uma excelente fonte para conhecer conceitos e nomes da Filosofia, o roteiro inteligente e cheio de humor aborda essencialmente o poder transformador da figura do Mestre – concepção que ultrapassa o papel de professor e de pai no caso de Merlí. Como um mentor para a vida, ele se interessa por cada aluno e provoca suas fraquezas e crenças, no sentido de fazê-los se enxergar em sua individualidade e, assim, descobrir e encontrar motivação para escolher os melhores caminhos, a despeito do que pensa o mundo.
Nesse contexto, Merlí passa a ser mal visto pela diretoria e os professores mais tradicionais. Pois ele assume de fato a complexa tarefa de ensinar a pensar e a romper sistemas de comportamento e crença numa sociedade que demanda enquadramento dos jovens, doutrinando-os desde cedo com modelos simplistas do que é ser “bem-sucedidos”: perguntarem pouco, trabalharem muito, ingressarem na melhor universidade, na melhor empresa, sem se questionar sobre seus propósitos e real missão no mundo.
Cada episódio gira em torno dos insights que Merlí vai provocando nos alunos (entre eles o seu filho, que vive um momento chave de aceitação da orientação sexual) e, claro, das mudanças que o papel de mestre traz ao protagonista, pois ensinar e inspirar nunca é via de mão única: é processo que transforma quem ensina e quem aprende, sem possibilidades de voltar atrás.
Me pergunto se não seria esse o exemplo de mentor que as empresas criativas tanto procuram em seus quadros?